Responsabilidade solidária e irrestrita na cadeia de consumo e os riscos à inovação
- Bruno Bossoi
- 24 de ago.
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A consolidação, ao longo da última década, de plataformas digitais de intermediação — tais como marketplaces, aplicativos de transporte e soluções de economia compartilhada — vem acompanhada de um crescente volume de decisões judiciais que, sem maiores ressalvas ou digressões, invocam o parágrafo único do artigo 7º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) como fundamento suficiente para responsabilizar solidariamente qualquer empresa envolvida na cadeia de fornecimento ou prestação de serviços ao consumidor final.
Aparentemente sedutora pela simplicidade com que atribui responsabilidade a todos os participantes da cadeia, essa interpretação maximalista ignora nuances fundamentais do próprio sistema consumerista, desconsidera diplomas legais posteriores — notadamente o Marco Civil da Internet — e cria um ambiente regulatório de incerteza que, paradoxalmente, pode prejudicar os próprios consumidores ao desestimular a inovação e a oferta de novos modelos de negócios.
O dispositivo em questão estabelece que “havendo mais de um responsável pela ofensa aos direitos do consumidor, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos”. A leitura que tem prevalecido nos tribunais é a de que, qualquer agente que, de algum modo, participe da cadeia de fornecimento — mesmo que não seja o diretamente responsável pela ofensa aos direitos do consumidor — seria automaticamente condenado ao dever de indenizar, bastando a comprovação de um dano e o nexo de causalidade genérico entre a atividade econômica e o prejuízo alegado.
Todavia, a aplicação isolada dessa regra contrasta com a arquitetura principiológica do próprio CDC, que também prevê balizas para o reconhecimento de excludentes de responsabilidade e diferenciação de papéis dentro da cadeia de consumo. O artigo 13, por exemplo, limita a responsabilidade do “comerciante” quando o defeito do produto decorre de vício do produto, hipótese em que a reparação recai prioritariamente sobre o fabricante, de modo que o comerciante só tem responsabilidade se não for possível identificar o fabricante (subsidiária). O artigo 14, § 3º, por sua vez, exime de responsabilidade o fornecedor de serviços quando provar culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, ou quando demonstrar a inexistência de defeito na prestação.
Embora elaborados na década de 90, esses dispositivos seguem contemporâneos e ganham nova relevância no contexto digital. Plataformas de intermediação, ao atuarem meramente como ambiente virtual de encontro entre oferta e demanda, frequentemente se aproximam do conceito de “comerciante”, pois não detêm controle sobre a fabricação do bem ou a execução do serviço final. Se um marketplace apenas disponibiliza infraestrutura tecnológica e sistemas de pagamento, mas não interfere de forma determinante no conteúdo das ofertas nem na execução dos serviços contratados, forçoso reconhecer que sua responsabilidade deva ser apreciada à luz de tais excludentes. Em outras palavras, se há culpa exclusiva do vendedor ou prestador autônomo — terceiro estranho à plataforma — não há razão para a presunção automática de solidariedade prevista no artigo 7º, parágrafo único, sem antes analisar os requisitos do artigo 14, § 3º.
Fonte: Conjur - Consultor Juridico

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